Espelho meu
Ter levado CDS e livros não era nada. Pior, o atrevimento de levar sua imagem. Agora era assim: ela olhava pro espelho e não a encontrava. Vestia sua melhor roupa e nada. Maquiagem, penteados, adornos… até mudou o design da sobrancelha… nada! No reflexo do espelho, só aquele vazio com ares de buraco negro.
Era como se sua existência solicitasse o aval de Pedro. Logo ele, que nem notava o corte de seu cabelo ou a cor das suas unhas. O que antes habitava o reflexo daquele espelho era tão-somente um apanhado de comentários, críticas, julgamentos e elogios, todos com a mesma autoria: Pedro.
Só então percebeu o que havia acontecido. Alguns vendem a alma… ela entregara, de graça, sua imagem. Trocou-a, sem pensar, por aquela que Pedro fazia dela. E agora que tudo havia acabado, estavam sós: ela e aquele espelho vazio.
Fez um esforço de memória. Quem era eu antes dele? Quem morava nesse espelho há 5 anos atrás, quando o conheci? Pensou em cobrar dele o estrago. Culpá-lo por cada centímetro apagado de seu corpo.
Mas não. Era consciente demais para cair na trama mais fácil. Sua antiga imagem não havia sido roubada por ninguém. Havia sido esquecida. E, de tão esquecida, apagada.
Foi quando de repente, assim como surgem as melhores idéias, sentiu um alívio que mais parecia a brisa do mar… ou não: um vento sul, desses que embaraçam nossos cabelos e clareiam nossas idéias. Diante do espelho, era ela, a faca e o queijo na mão. Um lápis e um papel em branco. Hora de redesenhar. E olha que isso até que pode ser divertido!
Redatora, professora, flamenca, carnavalesca, mãe, mulher. Não nessa ordem - e sem nenhuma, aliás. Sempre em (re)construção. Movida à paixão, ligada na intensidade e com vontade sem fim de ajudar o mundo a melhorar.